ANOS CONTURBADOS DE UMA ANGOLA EM MUDANÇA
XIV Parte
Como nada
encontraram. Foram embora, mas antes fizeram novos disparos para o tecto e
janelas.
A cadelinha
quando ouviu os tiros, urinou pelas patas abaixo e foi esconder-se na casa de
banho. Quando os militares saíram, a cadelinha correu para o quarto do casal e
escondeu-se lá.
Carlos foi dar
com a cadelinha que tremia por todos os lados, escondida entre as mantas que
estavam espalhadas no chão do quarto. Fez-lhe uma festa na cabeça, pegou nela
ao colo e levou-a para o quintal, para longe do barulho. A cadelinha levou
muito tempo a acalmar e depois disto, sempre que ouvia qualquer barulho
estranho, gemia com medo.
Pascoal
passava estes conturbados dias, junto à casa de Carlos. A população já tinha
muito pouco o que comer e ali, sempre que Carlos ia almoçar, dava também um
prato com comida ao seu aluno.
Quando os
militares se foram embora, Pascoal foi ter com Carlos que se encontrava no
quintal da casa e disse:
- Professor,
alguns destes homens são os mesmos que foram à minha sanzala e que queriam
prender o professor.
Carlos
agradeceu e sossegou o seu aluno.
O tempo foi
passando e Carlos e toda a população que tinha ficado na vila, estavam cada vez
mais receosos.
A luta armada
partidária estava no seu zénite. A Unita tinha vindo com uma força bastante
grande, apoiada pelos sul-africanos e tinha corrido com o MPLA do sul de Angola
e ocuparam todo o território até às portas de Luanda.
Carlos e toda
a população ficaram contentes. Pois o MPLA não tinha deixado saudades. Estavam
esperançados que agora as coisas iriam entrar nos eixos. Puro engano.
Os militares,
desta vez em nome da UNITA, invadiram novamente a casa de Carlos à procura de
armas.
Fui o mesmo
terror. E o mais grave é que Carlos conheceu os militares. Eram os mesmos que
lá tinha estado em nome do MPLA. Apenas tinham mudado de camisola política.
Foi a gota de
água,
Em Janeiro de 1976, A sogra de Carlos
fecha a casa comercial, entrega a mesma a um colaborador negro da sua confiança
e com toda a família e restantes moradores da vila, carregaram as carrinhas com
o que puderam e fizeram uma caravana em direcção a Sá-da-Bandeira.
No Lubango
foram para o Bairro Benfica, onde a sogra de Carlos tinha uma vivenda e ali
ficaram a ver as coisas a acontecer. Mas sempre com esperança de quando tudo
assentasse, voltarem para a sua vila. Nunca lhes tinha passado pela cabeça,
abandonarem Angola.
No Lubango as
coisas estavam mais calmas, mas mesmo assim era perigoso sair à rua. Os
militares da UNITA que ali tinham ficado, eram sem preparação alguma e apenas
utilizavam as armas para roubar o pouco que ainda havia. Os outros, mais
preparados civil e militarmente, tinham ido com a tropa sul-africana para junto
de Luanda.
O cunhado de
Carlos. O Rui Gaspar, também conhecido por Cuanhama devido à alcunha do pai,
que tinha ido ao centro da cidade para ver se encontrava amigos, foi preso
pelos militares da UNITA e levado para o batalhão militar. Um amigo foi à casa
da sogra de Carlos e contou o que se tinha passado. Uns militares queriam o
relógio que o cunhado de Carlos tinha no pulso e como este não lho deu,
acusaram-no de ser do MPLA e prenderam-no.
XV
Parte
O sogro de
Carlos, Alberto Gaspar, conhecido no Lubango por Cuanhama e que foi um grande
guarda redes do Benfica do Lubango, conhecia o comandante da UNITA, foi ao
batalhão para falar com ele, mas não chegou a entrar. À porta do batalhão
estava um militar muito jovem com uma arma na mão e quando o sogro de Carlos
disse que queria falar com o comandante, o militar perguntou qual o motivo.
Quando o sogro de Carlos disse o motivo, levou umas chapadas na cara e foi
mandado embora ou também iria preso.
Quando o sogro
de Carlos chegou a casa e contou o que tinha acontecido, começou a formar-se a
ideia de que Angola estava perdida. Os não pretos, mesmo angolanos, não tinham
ali lugar.
Uns dias
depois, o exército sul-africano regressa e começa a retirada das suas tropas de
Angola. Nessa altura fazeram convite a quem os quisesse acompanhar, pois iriam
deixar Angola de vez.
O comandante
da força sul-africana disse que garantia a segurança dos que quisessem ir com
eles até à fronteira, nomeadamente até à cidade de Pereira D’Eça, onde iriam
estacionar e aguardar ordens. Mas quem quisesse ficar, ficaria por conta e
risco próprio.
Com a retirada
dos sul-africanos, o MPLA apoiado por forças internacionais, nomeadamente
soviéticas e cubanas, deslocaram-se em direcção ao sul de Angola.
Com a chegada
das tropas sul-africanas ao Lubango, os homens da UNITA soltaram os presos e
também se prepararam par fugir.
Carlos foi
avisar os seus pais e restante família, que também estavam no Lubango, que ia
embora com os sul-africanos e que possivelmente iria abandonar Angola.
Ninguém dos
seus familiares quis ir. Pois não lhes passava pela cabeça abandonar Angola,
uma vez que não conheciam qualquer outro país e a sua vida era ali.
Carlos
despediu-se e disse que iria tentar fazer a vida noutro sítio qualquer, pois
Angola estava perdida.
Carlos nessa
altura pensava poder ficar na Namíbia ou África do Sul.
No dia
seguinte, logo de manhã, foi formada uma coluna de viaturas civis e militares e
seguiram para Pereira D’Eça.
A cidade de
Pereira D’Eça estava super lotada e depois de muito se procurar, lá se arranjou
uma casa desabitada, velha, sem portas e sem telhado, onde Carlos e a família
montaram acampamento
Laica a
cadelinha foi com eles, pois acompanhava sempre o casal.
No acampamento
improvisado, os colchões estavam estendidos no chão da casa que lhes servia de
abrigo.
Ao fim da
tarde a cadelinha laica começou a ladrar muito aflita e a dar pulos.
Carlos foi ver
o que se estava a passar, quando viu a sua querida cadelinha a lutar
desesperadamente com uma grande cobra cor de chumbo, com cerca de metro e meio
de comprimento e com 3 a
4 centímetros
de largura que tentava ir em direcção à casa onde estavam acampados.
A cobra
acossada pela cadelinha, meteu-se debaixo da carrinha do sogro de Carlos e
enrascou-se no eixo traseiro.
A cadelinha
ladrava, urinava e dava pulos, mostrando os seus pequenos dentes à cobra.
Um tio da
mulher de Carlos, que também ali estava acampado, com um pau comprido, matou a
cobra.
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