ANOS
CONTURBADOS DE UMA ANGOLA EM MUDANÇA
XVIII Parte
Eram perguntas
que Carlos fazia constantemente a si e ao resto da família.
Andou por
Albufeira a tentar arranjar emprego. Chegou mesmo a ir até Faro e Portimão, mas
nada.
Carlos sabia
que o dinheiro, dez contos que ele e sua esposa tinham trocado, não iriam durar
sempre. Além disso, numa consulta médica tiveram a confirmação que sua esposa
estava grávida.
Em Angola, nos
últimos tempos, não havia contraceptivos e num casal jovem, casado a pouco
tempo, era normal isto acontecer, por mais cuidado que se tivesse.
Esta situação
mais preocupou Carlos e a família.
Em conversa
com o gerente do hotel, Carlos foi informado que no Norte do país era mais fácil
arranjar emprego. O norte tinha muita indústria e o Algarve vivia apenas do
turismo.
O cunhado de
Carlos, irmão da mulher, tinha a mesma idade de Carlos e também, como Carlos,
tinha casado em Angola, mais ao mesmo no mesmo tempo, teve conhecimento que a
família de sua esposa estava em Viana do Castelo, no Norte do país.
O cunhado de
Carlos foi assim incumbido de ir ao Norte, ver a família da esposa e sondar
possibilidades de emprego.
De Viana do
Castelo telefonou a dizer que na realidade no Norte havia mais possibilidades
de emprego e que Viana não era assim tão frio como diziam.
Carlos e toda
a família, resolveram assim pedir ao IARN a sua transferência para Viana do
Castelo.
Foi assim que
Carlos trocou um hotel de cinco estrelas, junto ao Mar, no Algarve, por uma
pensão sem estrelas, numa rua escura em Viana do Castelo.
Carlos tinha
metido o seu processo como professor primário, no quadro geral de adidos e
estava à espera de resposta. Enquanto esperava, procurou trabalhar em algo que
aparecesse.
Fazia de tudo um pouco, para arranjar dinheiro
honesto. Trabalhou como estivador no porto mar de Viana do Castelo, sempre que
necessitavam de carregar algum navio e não havia trabalhadores suficientes, ou
os trabalhadores normais, fizessem greve; Trabalhou como ajudante de funerária,
sempre que o dono de uma funerária que também tinha vindo de Angola,
necessitava de pessoal para ajudar nos funerais; trabalhou como empilhador de
lenha para o forno numa padaria. Em fim trabalhava em tudo que aparecia, desde
que fosse honesto.
Quando chegou
uma carta do quadro geral de adidos, Carlos ficou esperançado, mas. ao abrir a
carta a desilusão foi total.
O seu processo
não tinha sido aceite, uma vez que tinha sido nomeado como professor primário
por um governo provisório em Angola e esse organismo não tinha qualquer valor
em Portugal, embora a sua nomeação tivesse saído num boletim oficial da
República Portuguesa. E mesmo que tivesse qualquer valor, teria de ter pelo
menos três anos de ensino, o que não era o caso.
Com essa informação,
Carlos ficou ainda mais preocupado e procurava a todo o custo, arranjar algum
trabalho que fosse fixo.
Para agravar a
situação, sua esposa tinha dado à luz, em 08 de Novembro de 1976, um menino. O
parto tinha corrido bem, mas a criança tinha nascido com um problema num pé.
Tinhas o pé boto.
Durante uma
noite, ao ouvir as notícias no televisor da pensão, viu o pedido para
alistamento nas forças de segurança.
IXX
Parte
Carlos estava
farto de fardas, pois há pouco tempo atrás tinha sido militar no norte de
Angola, mas viu ali, uma oportunidade de emprego estável que lhe permitisse
fazer os tratamentos necessários ao seu filho.
No dia
seguinte foi à esquadra da cidade pedir os papéis. Teve sorte. Como graduado de
serviço, estava um subchefe que tinha vindo de Angola e que encorajou Carlos a
seguir em frente.
Carlos meteu
os papéis e aguardou.
Poucos dias
depois, recebeu uma carta para se apresentar na Polícia para fazer provas.
Carlos fez as
provas e dias de pois, recebeu outra carta para se apresentar em Torres Novas para
fazer a recruta.
Carlos lá foi
para Torres Novas. Se por um lado ia contente por ver a possibilidade de voltar
a ter um emprego estável, por outro ia triste e preocupado por deixar a sua esposa
com o filho apenas de dois meses de idade.
Em Janeiro de
1977 entrou finalmente para a Escola prática de Polícia em Torres Nova e depois
da recruta foi colocado em Lisboa na Esquadra da Mouraria.
Sem conhecer
Lisboa. Carlos preocupou-se em arranjar um roteiro das ruas da cidade e um
mapa. Durante as horas de folga, percorria Lisboa a pé para conhecer melhor a
sua zona de acção.
Em Lisboa,
Carlos além do serviço normal de patrulha que durava seis horas, fazia também
os chamados gratificados. Gratificados eram serviços particulares, feito para
particulares, mas nomeados pela esquadra. Nomeadamente a casas de espectáculos,
futebol, hospitais, etc.
O dinheiro que
Carlos ganhava no seu serviço normal de polícia, era remetido para a sua esposa
e Carlos vivia em Lisboa com o dinheiro que recebia dos gratificados.
Foram tempos
difíceis, mas o mais importante era o seu filho ficar bom da perna, o que veio
a acontecer graças aos tratamentos feitos no hospital Maria Pia no Porto. Hoje
o filho de Carlos está completamente normal e até foi tropa.
Carlos não
sabia nada sobre a sua família que tinha ficado em Angola, pais e irmãos. Mas
como sabia o local onde eles estavam a residir na altura em que Carlos abandonou
Angola, Carlos escreveu uma carta na esperança de receber notícias.
Um mês depois,
recebe uma carta de sua mãe a dizer que o seu irmão mais velho e o seu pai
tinham sido presos pelo MPLA. O irmão por ter sido tropa portuguesa e o pai
pelo facto de não dizer que não sabia onde Carlos estava.
Os familiares
de Carlos ainda estiveram presos três anos, no forte de S. Nicolau na província
do Namibe e o irmão chegou mesmo a estar enterrado na areia da praia apenas com
a cabeça de fora para ver se confessava ser da Unita. Mas como não havia
qualquer acusação e depois dos negros naturais de Vila Arriaga dizerem que eram
boas pessoas é que foram soltos, Mas mesmo assim, de vez em quando eram
abordados com pedidos de víveres.
Como não eram
autorizados a viajar para Portugal, depois de alguns anos, a família de Carlos
consegue ir para o Brasil. Primeiro o seu irmão e um ano depois os seus pais e
do Brasil vieram para Portugal.
Já em
Portugal, a mãe de Carlos contou todo o martírio que eles passaram. O pai de
Carlos com o Land Rover que tinha, fazia muito comércio com os indígenas. Ia
para fora da cidade e trazia sempre leitões, cabritos e galinhas para vender na
cidade e assim ia vivendo.
Para ser
deixado em paz, a mãe de Carlos todas as semanas assava um leitão que era
levado como prenda ao comandante do MPLA no Lubango, além de dar de comer a
dois graduados cubanos.
Foi assim que conseguiu a autorização para
viajar para o Brasil.
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