ANOS
CONTURBADOS DE UMA ANGOLA EM MUDANÇA
XVI
Parte
A cadelinha
depois de ver a cobra morta sossegou, mas não deixou de gemer. Carlos pegou-a
ao colo e procurou alguma ferida que ela pudesse ter.
Felizmente
estava tudo bem com a cadela, que arriscou a sua própria vida para salvar os
seus donos. Se a cobra entrasse na casa, certamente haveria alguém que seria
mordido e, sem qualquer medicamento disponível, seria uma morte certa.
Dias depois, o
exército sul-africano recebe ordens para sair de Angola. Foi novamente formada
a coluna com os milhares de Angolanos estacionados em Pereira D ’Eça e que de
livre vontade quiseram abandonar Angola e, com a protecção dos sul-africanos,
rumaram com destino desconhecido principalmente pelo pessoal angolano.
Nessa altura,
Carlos mentaliza-se que iria abandonar a sua terra e começar uma aventura da
qual não sabia o fim. Apenas sossegou a esposa dizendo:
- Tenho dois
braços para trabalhar, uma cabeça para pensar e juventude no corpo. Fome, não
havemos de passar. Vamos tentar ficar na Namíbia ou na África do Sul. Ficamos
relativamente perto e talvez um dia se possa voltar para a nossa terra.
A caravana
chamada de, os refugiados de Angola, Segui o seu caminho por terras da Namíbia,
sempre com protecção da tropa sul-africana, nomeadamente o seu batalhão
“Búfalo” que era composto por tropas da África do sul e mercenários, alguns
oriundos de Angola e por tal motivo, falavam português.
Carlos foi
apresentado por uma prima de sua esposa, a um desses militares de nacionalidade
angolana. Esse militar era quem transmitia as ordens do comando sul-africano
aos refugiados angolanos
.Ao cair a
noite, a coluna fez uma pousa algures na Namíbia, onde foi montado um
acampamento improvisado, junto aos carros e onde foi passada a noite. Logo pela
manhã, foi retomada a marcha até Grootfontein.
Em Grootfotein
deixaram os carros e toda a carga que traziam, num grande descampado. Aqui, o
comando sul-africano informou que iríamos fazer uma viagem de comboio até
Windhoek e depois seriamos enviados de avião para Portugal.
Quanto aos
carros e toda a sua carga, seriam despachados por eles, também para Portugal,
com destino a Lisboa.
Carlos falou
com o militar amigo para ver qual a possibilidade de ficar na Namíbia.
O militar de
nome Jhon disse a Carlos que isso não era possível, pois Carlos, embora fosse
branco, tinha a pele morena e não era aceite pelos sul-africanos, cuja política
praticava o apartheid e eram muito rigorosos.
Depois de uma
longa viagem de comboio, onde Carlos sentiu a violência dos funcionários
Namibianos, composta por homens da raça himba, conhecidos em Angola como
Mucancalas, que tinham medo de poder haver qualquer fuga em por isso, não
deixavam ninguém sair dos camarotes da composição férrea.
A cadelinha
laica acompanhou sempre os seus donos. O pouco que eles tinham para comer, era
também repartido pela cadelinha que viajou sempre dentro de uma sacola que a
esposa de Carlos levava ao ombro.
Em Windhoek,
foram todos dirigidos para um grande acampamento improvisado com barracas do
exército sul-africano e foi distribuído ração de combate como alimento.
A água também era
fornecida por autotanques do referido exército.
Dias depois,
todos receberam ordens para se prepararem para a viagem de avião com destino a
Lisboa. Apenas se podia levar o que coubesse numa saca de mão e tínhamos de
abandonar os animais de estimação.
Carlos aflito
com o que poderia acontecer à sua querida cadelinha, procurou o militar amigo e
perguntou qual a possibilidade de a levar.
XVII Parte
O militar foi
falar com o seu comandante e pouco depois voltou e disse não haver grandes
hipóteses, os controladores junto à porta de embarque estavam a revistar tudo e
a recolher todos os animais.
O militar
mostrou interesse em ficar com a cadelinha, pois gostou muito dela.
Carlos pois de
falar com a família, resolveu entregar a laica ao militar que a levou, deixando
Carlos e sua esposa com lágrimas nos olhos.
A família de
Carlos aguardava na tenda a sua vez para o embarque.
Duas horas
depois do militar ter levado a cadelinha, Laica apareceu na tenda. Vinha muito
aflita e com uma corda ao pescoço.
Carlos fez-lhe
uma festa e procurou sossega-la.
O sentido de
orientação ou o olfacto, tinham levado a cadelinha até aos sons donos,
encontrando a sua tenda no meio de milhares.
Nisto, aparece o militar muito aflito. Vinha à
procura da cadelinha que tinha roído a corda e fugido.
Carlos ainda
tentou não entregar novamente a cadelinha e tentar arranjar uma maneira de a
levar consigo.
Um vizinho
refugiado que também tinha perdido o seu cão, aproximou-se e disse a Carlos:
É melhor entregar a este senhor a cadelinha,
pois ele vai cuidar dela. O meu não teve tanta sorte. Como ninguém o quis, vai
ser abatido.
Ouvindo isto,
Carlos entregou novamente a cadelinha e deixou a recomendação de que tivesse
muito cuidado com ela, pois ela não podia engravidar e que não a tratasse como
um qualquer cão, pois ela estava habituada a ter sempre muito carinho e amor.
O militar lá
levou a cadelinha ao colo, fazendo-lhe festinhas na cabeça e desapareceram.
Carlos nunca
mais viu a sua querida cadelinha.
Quando chegou
a vez de Carlos e sua família embarcarem, Carlos viu junto à porta de embarque
vários animais metidos numa jaula Com os olhos procurou entre eles a laica, mas
não a encontrou ali. Nesse momento, convenceu-se que tinha tomado a melhor decisão,
ao ter entregue a sua cadelinha ao militar amigo.
O avião depois
de cheio, levantou voo, fez escala na Costa do Marfim e terminou a sua viagem
em Lisboa, no aeroporto figo maduro.
A viagem de
Carlos e os dias difíceis, não tinham acabado.
No aeroporto
figo Maduro, em Lisboa, havia uma comissão com o nome IARN que era um Instituto
de apoio ao retorno de nacionais, que ali se encontrava para receber os
refugiados e dar o primeiro apoio.
Depois de trocarem apenas cinco contos por
pessoa, foi dado a escolher a Carlos um destino pré definido. Havia vagas nos
hotéis em Lisboa e em Albufeira no Algarve.
A família de
Carlos não conhecia nada de Portugal, mas sabia que o Algarve era mais quente
que Lisboa e, como traziam pouca roupa de inverno, resolveram ir para
Albufeira.
Depois de uma
manhã inteira, sentados no chão, ao Sol, junto a uma parede do aeroporto, à
espera do autocarro que os levaria para o Algarve, finalmente embarcaram.
Chegaram ao
Algarve, nomeadamente a Albufeira, já de noite e foram para o hotel Rocamar.
Rocamar era um
belo hotel. de cinco estrelas, junto ao mar e isso animou mais a família de
Carlos. Pelo menos em Portugal não havia guerra e tinham algum apoio.
A vida no
Algarve não estava a correr mal, pois tinham dormida e comida, mas e o resto?
Quanto tempo aquela situação iria durar?
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