ANOS CONTURBADOS DE UMA ANGOLA EM MUDANÇA
X
Parte
No dia
seguinte Carlos e todos os seus camaradas, passaram à disponibilidade, a guerra
tinha acabado. Julgavam eles. Mal sabiam que a verdadeira guerra iria começar.
Como angolano,
Carlos ficou alegre, foi para a sua Vila, onde tinha a noiva e concorreu a um
lugar de professor primário que havia em aberto na escola onde fez a primária.
O processo de
Carlos foi aceite pelo governo provisório de Luanda e assim que saiu a sua
colocação no Diário da Republica, Carlos começou a dar aulas em Vila Arriaga.
Carlos, assim
como a grande maioria dos Angolanos, pensavam que tudo iria ficar na mesma. Angola
apenas deixava de ser governada por portugueses e passava a ser governada por
angolanos. Carlos sentia-se português, pois nunca teve qualquer outra
nacionalidade e tinha sido tropa portuguesa, mas também era angolano por
nascença.
Pensava que brancos,
mulatos e negros, eram todos angolanos e Angola dava para todos. Por isso,
pensou continuar em Angola.
Durante o
primeiro ano, tudo correu dentro da normalidade. Carlos, foi leccionar a turma
da terceira classe. Eram no total 20 alunos. Carlos preparou os alunos para a
prova escrita de passagem para a 4ª classe.
No final do
ano, Carlos levou os alunos a exame e dezasseis passaram para a quarta classe.
Quatro não atingiram os objectivos.
Foi um
resultado bastante positivo, mas Carlos ficou triste pelos quatro alunos que
teriam de repetir o ano.
Carlos nunca
pensou em sair da sua terra e como tinha um emprego que pensava ser estável,
pois Angola necessitava de quadros, casou e formou a sua própria família.
A vida de
Carlos era de casa para a escola e da escola para casa, não se metia em
política, embora tivesse um fraco pela UNITA. Talvez por ser o movimento que se
encontrava mais perto da sua zona de residência, já que os do norte, pouco ou
nada lhe diziam.
Mas mesmo esse
fraquinho que sentia pela UNITA, Carlos nunca deixou transparecer, pois sabia
que tinha alunos cujos pais eram adeptos dos três movimentos e também alguns,
nomeadamente brancos, que como Carlos, se sentiam portugueses.
Um dia em que
o programa escolar mandava fazer um desenho da bandeira Nacional, Carlos viu
desenhos com todas as bandeiras: Portuguesa: Do MPLA; da FNLA e da UNITA. E a
todos deu a nota bom, sem fazer qualquer comentário.
O que Carlos
sentia pela UNITA, era apenas simpatia e nada mais. Os seus símbolos sempre
foram os portugueses desde que nascera e agora estava à espera que formassem
novos símbolos, que representasse a nova Angola. Seriam esses os seus novos
valores patrióticos, como Angolano que era de nascença, embora fosse português
de coração.
Muitos
portugueses abandonaram Angola em 1975, mas Carlos e sua família ficaram na
terra onde tinham nascido. Nunca tinham feito mal a ninguém e não conheciam o
chamado Portugal continental.
Na escola onde dava aulas à terceira classe,
havia o tão falado selo de povoamento de Marcelo Caetano, brancos, mulatos e
negros. Todos eram tratados por igual.
No segundo
ano, Carlos deveria dar aulas à quarta classe, mas não chegou a dar.
As eleições
não chegaram a ser feitas e o Alto-comissário de Portugal para Angola, O tristemente
conhecido Almirante Rosa Coutinho, o Almirante vermelho, pertencente ao partido
comunista Português, deu a independência ao MPLA, embora a UNITA tivesse maior
população.
XI Parte
Com essa
triste resolução deu início à terrível guerra civil Angolana.
Muito
armamento soviético entrou em Angola e, com esse material, veio também muita
tropa cubana para as fileiras do MPLA.
A luta entre os partidos tinha começado e
Angola entrava a ser completamente devastada.
O MPLA
controlava grande parte de Angola, com excepção do leste, onde a Unita se tinha
refugiado e dava luta ao MPLA apoiado pelos cubanos.
Os Estados
Unidos da América, resolvem então apoiar a UNITA e, para além de mandarem
armamento, solicitaram também o apoio militar da África do Sul que entrou em
Angola com o seu batalhão Búfalo para ajudar a UNITA.
A força
sul-africana e as tropas da UNITA, rapidamente tomaram novamente conta de grande
parte do território de Angola, só parando à entrada de Luanda.
Neste ano de
1976, havia eleições nos Estados Unidos da América e a força da África do Sul,
estava à espera de ordens para entrar em Luanda e tomar a cidade.
Corria o rumor
em Angola, que tudo seria decidido depois das eleições dos Estados Unidos. Se
ganhassem os republicanos que estavam no poder, a força sul-africana tomaria
Luanda, mas se ganhassem os democratas, a força sul-africana retiraria e
abandonava a UNITA.
Savimbi
garantia que iria tomar Luanda, mas o que aconteceu foi precisamente o
contrario.
Nos Estados
Unidos, ganhou as eleições o democrata Jimmy Cárter e as forças sul-africanas
saíram de Angola.
Com a retirada
dos sul-africanos, a UNITA recuou até ao seu território natural, o leste de
Angola.
A partir do
leste, a UNITA continuou a dar luta ao MPLA, mas desta vez, em vez de guerra
clássica, manteve a guerra de guerrilha que durou até à morte de Savimbi em
2002.
Nenhum
departamento governamental estava a funcionar e as escolas não eram excepção.
Estava tudo parado.
Um casal amigo
da família de Carlos, funcionário do governo português em Angola, recebeu
ordens para regressar a Portugal. Esse casal, com muita mágoa, arrumou as suas
coisas e foram para Moçâmedes, onde estava um navio português à espera dos
muitos funcionários que abandonavam Angola.
Este casal,
tinha uma cadelinha pequena, com o pelo branco e preto. Era da raça que em
Angola se chamava de Bambi. A cadelinha era muito linda e meiga. O casal passou
por Vila Arriaga a caminho de Moçâmedes e deu a cadelinha à família de Carlos,
uma vez que não a podia levar para Portugal.
Com lágrimas
nos olhos, entregaram a cadelinha e pediram que tivesse com ela muito amor e
cuidado. A cadelinha era para eles, como uma filha.
A senhora, ao
entregar a cadelinha disse:
- Por favor,
tenham cuidado. Não a deixem engravidar, pois ela tem o útero muito estreito e
não pode ter filhos. Cuidem dela. E se um dia tiverem de sair de Angola, por
favor não a deixem abandonada.
A família de
Carlos agradeceu ao casal amigo, despediram-se com grande emoção e pegaram a
cadelinha ao colo. O nome desta cadelinha era Laica.
Como Carlos se
tinha casado há relativamente pouco tempo, a Laica foi adoptada como uma filha
e passou a ser a alegria da casa. A cadelinha agradecida, ou por ser da sua
própria natureza, aceitou muito bem a mudança de donos e rapidamente se adaptou
à nova casa.
Continua
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