VI Parte
Durante a
semana que Carlos esteve em Luanda, aproveitou para conhecer a cidade. E para
isso nada melhor do que andar a pé.
Luanda era
nessa altura, uma cidade bastante grande e com muito movimento. Carlos para não
se perder, procurou circular pelas principais avenidas, ruas e praças, sempre
com um ponto de referência. O bastante alto prédio do Banco comercial de Angola
e a Fortaleza. Eram estes os dois pontos de referência de Carlos. Assim,
conheceu um pouco de Luanda.
Uma semana
depois, a companhia recebe ordens para avançar em coluna para o norte, com
destino a Sanza Pombo e daí para Quicua, onde iria render uma companhia de
militares açorianos, cujo objectivo era proteger a engenharia militar que
andava naquela zona a abrir estradas pela mata a dentro, e ao mesmo tempo, fazer
uma ocupação efectiva do território, obrigando os grupos armados terroristas a
recuarem para além das fronteiras de Angola.
A companhia
militar de Carlos, era móvel e por tal motivo, não tinha poiso certo, nem
instalações fixas. Eram montadas tendas grandes, onde o pessoal dormia. Por
isso, sempre que o capitão ordenava a montagem de um acampamento, era feita uma
grande clareira na mata. Eram montados os holofotes alimentados por geradores,
em todo o redor do acampamento e havia uma guarda permanente.
Como não havia
campo de poiso para a avioneta que fazia os abastecimentos de víveres para a
tropa, Uma vez de quinze em quinze dias, a avioneta passava e deixava cair do
ar, em pleno voo, os sacos com os produtos alimentares e com o correio. Deste
modo, quando os sacos batiam no chão, arrebentavam e o que vinha lá dentro
espalhava-se pela pequena clareira aberta para o efeito.
Os militares recolhiam os pedaços de alimento,
nomeadamente à base de frango que depois de lavados com a pouca água que havia,
pois a mesma era recolhida nos riachos próximos que tinham água corrente, era
depois tudo cozinhado com massa ou arroz, para matar a fome a toda a companhia.
Não havia aqui
distinção entre soldados, sargentos e oficiais. Todos comiam da mesma comida.
Estilhaços de frango com massa ou com arroz.
Normalmente, o
dinheiro para pagar aos militares da companhia, vinha juntamente com o dinheiro
do destacamento de Quicua, pois era bastante perigoso ir apenas um destacamento
pequeno, levantar quantias tão grandes ao Batalhão de Sanza Pombo. Dizia-se que
já tinha havido no passado, ataques dos turras com intenção de roubarem o
dinheiro.
No final do
mês, o Capitão ordenou a Carlos que fosse com os seus homens e integrasse a
coluna de Quicua, que ia a Sanza Pombo levantar o dinheiro e que trouxesse o
dinheiro da companhia.
Carlos
escolheu os seus melhores homens, por sinal todos negros e integrou a coluna
militar. Em Sanza Pombo
dormiu essa noite no batalhão e no dia seguinte regressou a Quicua na coluna
militar.
No caminho, a
coluna parou junto a um aldeamento e a população ofereceu aos militares
garrafas de Marufo. Murufo é um vinho artesanal, feito da seiva da palmeira e
em troca os militares deram ração de combate.
Esses
aldeamentos. Eram um conjunto de habitações feitas em barro e cobertas com
colmo e folhas de palmeira, onde o exército português acantonava a população
civil negra, acabando com as sanzalas dispersas que antigamente havia por toda
Angola.
VI I Parte
Junto a esses
aldeamentos, a população tinha as suas lavras, nomeadamente de milho,
batata-doce (cará) e mandioca. E era chefiada por um soba nomeado pela própria
população, a quem as autoridades portuguesas pediam responsabilidades era
considerada população amiga.
Toda a lavra
encontrada fora das zonas destinadas a esses aldeamentos, era destruída, pois
entendia-se que eram lavras ilegais para alimentar os turras.
Carlos, por
ser a primeira vez que tinha directamente responsabilidades pela guarda e
transporte de tanto dinheiro, levava a saca a tiracolo, junto ao seu peito e
nunca abandonou a viatura.
Felizmente, a
viagem correu sem qualquer incidente, mas Carlos só sossegou quando entregou ao
1º sargento e ao capitão, o dinheiro que trazia.
Assim, passou
Carlos o tempo da sua vida militar no Norte de Angola, na zona de Quicua.
Todos os dias,
às vinte e uma horas, Carlos e os seus camaradas furriéis, que dormiam na mesma
tenda, ouviam num pequeno rádio que Carlos tinha, as notícias da rádio
Brazavil, que transmitia em Português.
Ouvir a rádio
Brazavil era proibido, mas naquele fim do Mundo não havia PIDE e todos estavam
sossegados.
Foi aí que Carlos soube que a final, os terroristas
não eram terroristas, mas sim movimentos de libertação do território Angolano,
que lutavam contra o jugo de Portugal.
Também ouvia
que afinal os ditos movimentos tinham uma organização política por de trás dos
militares e que um tal Holden Roberto era o comandante supremo da FNLA e que do
lado do MPLA havia uma cúpula política encabeçada por Mário Pinto de Andrade e
pelo Doutor Agostinho Neto, médico formado em Portugal.
As cúpulas
políticas destes dois movimentos não se davam bem e esse sentimento era passado
para os militares operacionais. Deste modo, sempre que se encontravam, havia
lutas entre eles. Por aqui se via que ambos queriam a qualquer custo, chamar o
protagonismo para si, ignorando o outro.
Durante a
permanência de Carlos como militar, na zona então considerada crítica, por se
encontrar muito perto da fronteira com o Zaire, a tropa portuguesa não deu, nem
ouviu qualquer tiro e não houve qualquer contacto com os chamados inimigos.
Apenas se via de vez em quando, umas minas anti-carro,
enterrado na picada. Sinal que os turras andavam por ali.
Mas nem esta forma de luta, utilizada pelos
homens da FNLA ou do MPLA, era eficaz, pois as minas eram colocadas durante a
noite, à pressa e de forma deficiente, em zonas de grande inclinação, nomeadamente
em morros e, com a chuva que naquela zona era constante, no outro dia de manhã,
os referidos artefactos militares ficavam a descoberto e eram facilmente
detectáveis.
Isto só vinha
reforçar o que a propaganda portuguesa dizia.
A rádio
portuguesa quando falava da luta armada, salientava sempre que os turras em
termos militares, estavam completamente inoperacionais no norte de Angola,
baseando a sua fraca acção em palestras políticas no estrangeiro, com o
propósito de poder haver, por parte dos países, nomeadamente africanos, mas
também europeus, uma possível pressão política sobre Portugal.
Dizia a
propaganda política portuguesa que tudo não passava de manobras para meterem as
mãos nas grandes riquezas que o solo e o subsolo Angolano tinha.
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