ANOS CONTURBADOS DE UMA ANGOLA EM MUDANÇA
XII Parte
Laica gostava
muito de ovos estrelados. Sempre que os novos donos se sentassem à mesa para o
pequeno-almoço, Laica ia para junto deles e também tinha o seu pires com um ovo
estrelado no canto da sala, onde normalmente comia.
Quando Carlos
saia para o trabalho, Laica ficava à porta de casa e ladrava até o novo dono
desaparecer da sua vista. Só depois é que se ia deitar na sua caminha, que
ficava aos pés da cama dos donos.
Um dia, no fim
das aulas, um aluno negro ficou para o fim. Carlos durante todo o dia tinha
reparado que o aluno não estava bem. Havia qualquer coisa que o preocupava.
Perguntou o que ele tinha, mas o Pascoal, assim se chamava o aluno, respondeu
que não tinha nada.
O Pascoal era
um bom aluno. Muito inteligente. Estava mesmo acima da média. E por isso Carlos
ficou ainda mais preocupado, mas disfarçou e fingiu que nada se estava a
passar.
Enquanto
Carlos arrumava a sala para o dia seguinte, e na sala só se encontravam ele e o
Pascoal, o aluno aproximou-se de Carlos e falou:
- Senhor
professor. Eu tenho uma coisa para lhe contar!
Carlos fez uma
festa na cabeça do aluno e perguntou:
- Diz lá amigo
o que queres?
Pascoal
encheu-se de coragem e disse:
- Senhor
professor, ontem à noite na minha sanzala, apareceram umas pessoas que eu não
conheço e estiveram a falar com os homens. Eles queriam vir prender o senhor
professor. O meu pai foi contra e disse que o professor é boa pessoa. É amigo
dos negros. Mas os homens diziam:
-O professor
foi tropa portuguesa e por isso tem que ir embora ou vai preso.
O meu pai
disse que isso não é suficiente, pois o seu filho mais velho, o Mesquita, tinha
ido para a tropa com o professor e eram muito amigos. Desde crianças.
E o Pascoal
continuou:
- Ouvi os
homens dizerem que não há brancos bons.
Carlos
agradeceu ao seu aluno e disse:
-Não te
preocupes Pascoal. Eu não fiz mal a ninguém e por isso não tenho nada a recear.
Contudo muito obrigado por me avisares!
O aluno saiu e
Carlos fechou a escola e foi para casa como sempre fazia.
A guerra civil
entre os movimentos que tinha começado em Luanda, tinha-se expandido por toda
Angola. Vila Arriaga, apesar de ser uma pequena vila, não foi excepção.
Quem não tinha nada a temer, como Carlos e sua
família, mantiveram-se calmos a trabalhar.
Escola acabou
por fechar por ordem da directora; as repartições públicas tinham fechado
todas. Só o comércio se mantinha aberto, vendendo à população, o que ainda
havia para comer.
Angola não
tinha governo. Mandava quem estivesse a controlar a zona. Umas vezes o MPLA,
outras vezes a UNITA ou a FNLA.
Mas todos
pareciam ser unânimes numa coisa: Angola era deles e tudo o que lá havia
também.
Os
comerciantes eram obrigados a fornecer comida gratuita aos militares. Se no o
fizessem sofriam represálias.
Como a força
militar mais numerosa em
Vila Arriaga era a do FNLA, a casa comercial mais forte,
neste caso a casa Lauro Almeida Gonçalves, pertença da sogra de Carlos, foi a
nomeada para fornecer comida a este movimento.
Carlos, com a
escola fechada, passava o tempo a trabalhar na casa comercial da sua sogra.
XIII Parte
A sogra de Carlos, tinha uma casa bastante
rica. Era um comércio misto que vendia de tudo. Desde medicamentos a livros
escolares, passando pela mercearia, roupas, perfumes, etc. Havia também uma
secção de brinquedos e uma de ferragens agrícolas. Era a única do género
naquela vila e concelho.
A loja era
abastecida por um armazém que a sogra de Carlos fazia questão de estar sempre
repleto de mercadoria. Era hábito que já vinha do seu falecido pai, fundador da
casa comercial.
Uma vez por
mês iam a Sá-da-Bandeira comprar mercadorias para a loja. Mas ultimamente,
Sá-da-Bandeira já não tinha mercadoria para vender e a sogra de Carlos resolveu
ir a Moçâmedes fazer compras para a loja.
No regresso,
com a carrinha carregada, à saída de Moçâmedes, foram mandados parar por um
controlo dos militares do MPLA.
O militar do
MPLA que tinha mandado parar a carrinha, estava a implicar, pois queria
descarregar a carrinha ali mesmo. Nisto apareceu o Comandante e depois de uma
conversa com a sogra de Carlos, que lhe explicou para onde ia a mercadoria, o
comandante repreendeu o militar e disse:
- Então tu não
vês que estes camaradas estão a levar comida para o povo da Bibala? Tem juízo e
vai lá para dentro!
O militar
retirou-se contrariado e a carrinha seguiu o seu destino.
Nessa altura,
o MPLA estava a controlar as cidades e vilas do Sul de Angola, zona onde se
encontrava Vila Arriaga.
A verdade se
diga, o MPLA era a força que tinha os comandantes mais bem preparados e o
verdadeiro selo de povoamento. Brancos, mulatos e negros. Nos outros
movimentos, os militares eram todos negros. Só na parte política é que tinham
mulatos e brancos,
Com a guerra
civil, os movimentos abandonaram a Vila e só lá apareciam em patrulha.
Se o MPLA
controlasse aquela zona, a patrulha era desse movimento.
Se fosse a
UNITA a controlar a zona, a patrulha seria da UNITA e assim por diante.
Desde modo, a
população tinha que ter cartões dos três movimentos para mostrar nos diversos
controlos existentes, conforme a cor de quem estava a controlar a zona.
Era a luta
pela sobrevivência.
Poucos dias
depois, logo pela manhã cedo, apareceu na Vila uma carrinha com militares.
Pararam em frente à casa comercial onde ficava também a residência de Carlos
que tinha a porta aberta, como sempre fazia, logo que acordava.
Carlos sem
nada a temer, estava à porta de casa a ver a movimentação e curioso para saber
o que se estava a passar.
Os militares
desceram da carinha, entraram para dentro da casa de Carlos empurrando-o e
perguntaram por armas.
Gritavam todos
os mesmo tempo:
- Onde tens as
armas? Onde estão guardadas? Ao mesmo tempo que disparavam as suas armas em
direcção ao tecto da casa, que ficou todo esburacado.
Revistaram a
casa toda, partiram móveis, levantaram os colchões, reviraram tudo. Mas como
era de esperar, não encontraram qualquer arma.
Carlos apenas tinha tido em tempos uma
caçadeira, mas essa arma já tinha sido entregue, precisamente ao comandante do
MPLA, numa altura em que ele andou de casa em casa a desarmar toda a gente. Até
as pressões de ar que a sogra de Carlos tinha para vender na casa comercial,
levaram.
Continua
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