ANOS CONTURBADO DE UMA ANGOLA EM MUDANÇA
III Parte
A mãe que não
queria ver o filho preocupado e com medo, inventou uma desculpa e disse que o
pai ia à caça com os amigos.
No dia
seguinte, na escola, ouviu uma conversa entre a professora e o senhor Amaro,
que trabalhava na administração do concelho como escriturário.
Falavam baixo, mas ouviu que falavam da
milícia e dos turras. E estavam preocupados.
Intrigado,
perguntou aos outros colegas se nas suas casas havia algo de anormal?
Todos
responderam que não.
Seria possível
que só ele estaria preocupado com o que se estava a passar no norte? Só ele
não. Os adultos também estavam. Por que razão faziam milícia? E o que era
milícia? E o que quer dizer upa? E turras?
Tantas
perguntas para a qual não tinha respostas e que os adultos não estavam com
disposição para esclarecer.
O tempo foi
passando. Carlos acabou a primária e foi estudar para a cidade de Moçâmedes.
Ficou na casa do seu avô paterno.
O seu avô,
natural da Metrópole, gostava muito de ouvir as notícias no rádio que tinha na
sala de jantar e que era alimentado por uma bateria grande.
À hora das
notícias, todos tinham que ficar calados, pois ele queria ouvir todas as
notícias sem barulho. Foi aí que Carlos deu conta de que algo de anormal se
estava a passar no norte de Angola.
Um dia, quando
conversava com o seu avô, sentado no quintal da vivenda onde viviam,
perguntou-lhe o que se estava a passar no norte de Angola com os turras.
Seu avô
explicou-lhe que turras, quer dizer terroristas e que eram um bando de negros
do Congo que tinham invadido Angola e tinham morto à catanada alguns colonos
portugueses. Mas que o governo de Salazar já tinha mandado tropas para guardar
o território.
Carlos
interrompeu o seu avô e perguntou quem era Salazar?
O avô, com
grande paciência, explicou-lhe que Salazar era o governante do país. Estava em
Lisboa, capital de Portugal e era quem mandava em tudo.
Carlos
aproveitou a boa disposição do seu avô, e perguntou-lhe o que era milícia.
Novamente o
avô de Carlos, explicou que milícias eram grupos de cidadãos que com as suas
armas de caça, faziam rondas pelas cidades e vilas para guardar a população,
normalmente à noite quando todos estavam a dormir, para que não acontecesse o
mesmo que aconteceu no norte de Angola.
Depois de uma
pausa, o avô de Carlos continuou:
-Não te
preocupes meu neto. Estuda para seres um homem. Salazar já mandou muita tropa
para Angola e os militares vindos da Metrópole, já estão a tomar conta da
situação.
Como o avô de
Carlos já tinha uma idade que não lhe permitisse acompanhar os estudos do neto
com a atenção necessária, o pai de Carlos falou com um seu amigo que além de
professor na escola comercial e industrial Infante D. Henrique, onde Carlos ia
continuar os seus estudos, era também o comandante da Mocidade Portuguesa, para
ser o encarregado de educação de Carlos, perante a escola.
A Mocidade
Portuguesa era uma organização de origem política cujos membros tinham uma
farda composta por calção de caqui e camisa verde com o escudo de Portugal
bordado no bolso esquerdo, meias altas até ao joelho, sapatos os botas
castanhas e um cinto em cabedal de cor castanha, cuja fivela era um S. O S de
Salazar.
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