ANJO
MUTILADO
Numa noite de um quente verão,
Tive um sonho que se tornou pintura.
Cada vida tinha a sua primavera
E cada primavera, tinha o seu coração.
Vi a primavera, no sítio onde se pendura
As recordações que na vida se espera.
Reparei que um anjo descia do céu
E ao tocar a terra perdeu as suas asas,
Trazendo na mão uma linda esfera.
Dentro da esfera o meu coração e o seu
E nos olhos um correr de águas rasas.
O anjo vinha fugido do céu, onde tudo era triste,
Como triste é a cruz que prendeu o Senhor.
Tornou-se um traquina menino muito alegre,
Como todos os meninos da terra
Deveriam ser, sem conhecer a dor.
Tirou da esfera o meu coração que fundiu com o seu
E então deu-se o milagre.
Tornou-se apenas um menino e entrou dentro de mim.
Quando se cansa, como qualquer menino, adormece.
Levo-o ao colo e coloco-o na minha cama.
A meio da noite acorda e brinca com os meus sonhos.
Fala-me de livros secretos dos profetas,
Dos pescadores, do peixe e da sua escama;
Dos homens monstros, dos abismos medonhos,
Do triste sonhar dos grandes poetas.
Logo pela manhã, acorda e volta a brincar.
Ensina-me como as pequenas coisas são importantes.
As pequenas pedras que encontra pelo chão,
O canto dos pássaros no seu belo trinar,
As maravilhas da Natureza que não via antes
E a mente dos homens, sem a compaixão.
Corre sem se cansar pelo prado,
Rouba fruta nos pomares e apanha flores.
Na minha ansiedade, pergunto-lhe por Deus.
Muito triste, diz-me que nunca o viu!...
Nem sabe se existe!...
Todos estes horrores!...
Do céu, via constantemente o sofrer da humanidade
E resolveu fugir, para mostrar o seu desagrado.
Não sabe a sua idade,
Nem mesmo de quando do céu partiu,
Nem tão pouco, a origem das suas dores.
Vive comigo desde sempre,
E quer continuar a ser sempre criança,
Fazendo da terra o seu eterno céu.
Fala-me com mágoa, da ganância,
Da urgência em libertar da cruz o seu Cristo Senhor,
Proteger da fome, a criança e fazer a mudança
Para acabar neste Mundo, a triste dor.
De repente o sonho muda!...
Vejo os homens soldados com as suas armas,
Crianças sem terem força para brincar,
A humanidade com todos os seus “carmas”
Sem ter já forças para lutar.
Crianças a morrerem de fome,
Homens a matarem por prazer,
A vil doença que nos consome,
Entre os homens, o amor a desaparecer.
Dos olhos do anjo, um rio de sangue corre…
Inunda a terra com a sua cor escarlate
E o anjo na sua agonia, morre,
Agarrado a uma criança, com pele da cor do chocolate.
O meu acordar é medonho…
Ao meu lado o anjinho abraça-me e diz: - Bom seria se fosse
sonho…
Mas é um pesadelo, respondeu por fim
E ainda a chorar, refugiou-se dentro de mim.
Carlos Cebolo
carlosacebolo.blogspot.com/
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